"Eu posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las" - Voltaire

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Como funciona o preconceito por raça no Brasil?

Clara e Tauan namoram há sete meses. Entre as preocupações de um casal comum eles possuem uma a mais: ela é branca; ele é negro. Um fator tão aparentemente banal já causou alguns constragimentos para os dois. A estudante de medicina relata que uma vez, seu namorado foi buscá-la no trabalho e foi confundido com um mensageiro. “ Ele subiu até a minha sala. Na recepção, acharam que ele era um mensageiro e o encaminaram pela entrada de serviço”, diz Clara. “Me senti constrangida por ele”, completa.

Mas do lado do rapaz também houve um pouco de resistência. A mãe de Tauan, de início, não concordava com o namoro com uma jovem que não era “deles”. “Minha mãe dizia que apenas queria me proteger de problemas futuros, pois relacionamentos interraciais sempre trazem algum tipo de inconveniência”.
Tauan e Clara namoram há 7 meses e já passaram por
 problemas devido à diferença de cor-de-pele | Créditos: Reprodução Internet
Isso retrata como acontece a grande parte do racismo em nosso país. Na maioria dos casos é assim: através de pequenas atitudes, pequenos gestos, pequenos traquejos do dia-a-dia. Com isso, o preconceito de cor no Brasil é específico.

De acordo com Roberto DaMatta, professor de Antropologia da PUC-Rio e colunista do jornal O Globo, aqui existe um racismo que pode ser considerado “à brasileira”. Segundo o professor, nosso país não assume abertamente que é ainda preconceituoso. “Existem duas realidades: a para todos verem e a que ‘nós vemos’. A que todos veem é aquela bonita, politicamente correta e que pratica todas as normas de bons costumes. A que ‘nós vemos’ é outra. Um pouco mais ardil”. Ainda, de acordo com DaMatta, o racismo específico que se manisfesta no país pode ser distinguido do que ocorre nos E.U.A. Para ele, nos Estados Unidos, o racismo é mais nitido porque acontece em esferas institucionais. No Brasil isso já ocorre de modo mais popular, na esfera informal.

Para ele, assumir a identidade racial negra em um país como o Brasil é um processo extremamente difícil e doloroso, considerando-se que os modelos "bons", "positivos" e de "sucesso" de identidades negras não são muitos e poucos divulgados e o respeito à diferença em meio à diversidade de identidades raciais/étnicas inexiste. 


Oficialmente, ser negro é quem se acha negro.

Conforme convenção do IBGE, no Brasil, negro é quem se autodeclara preto ou pardo, pois população negra é o somatório de pretos e pardos. Para fins políticos, negra é a pessoa de ancestralidade africana, desde que assim se identifique. O Brasil é um país mestiço, biológica e culturalmente. A mestiçagem biológica é, inegavelmente, o resultado das trocas genéticas entre diferentes grupos populacionais catalogados como raciais, que na vida social se revelam também nos hábitos e nos costumes (componentes culturais). No contexto da mestiçagem, ser negro possui vários significados, que resulta da escolha da identidade racial que tem a ancestralidade africana como origem (afro-descendente). Ou seja, ser negro, é, essencialmente, um posicionamento político, onde se assume a identidade racial negra.

Milton Santos acredita que o racismo
no Brasil é diferente de qualquer outro lug
ar | Divulgação
Milton Santos, negro e provavelmente um dos nomes mais importantes da Geografia no Brasil, diz que a realidade que construiu o negro aqui no Brasil não foi a mesma de outros lugares. “Aqui, o fato de que o trabalho do negro tenha sido, desde os inícios da história econômica, essencial à manutenção do bem-estar das classes dominantes deu-lhe um papel central na gestação e perpetuação de uma ética conservadora e desigualitária”, aponta.

Contudo, como todo posicionamento, há sempre uma polarização. Identidade racial ou étnica é o sentimento de pertencimento a um grupo específico. Ou seja, tem a ver com a história de vida (socialização/educação) e a consciência adquirida diante das prescrições sociais raciais ou étnicas, racistas ou não, de uma dada cultura.

Enfrentar a questão seria, então, em primeiro lugar, criar a possibilidade de reequacioná-la diante da opinião, e aqui entra o papel da escola e, também, certamente, muito mais, o papel frequentemente negativo da mídia, conduzida a tudo transformar em "faits-divers", em lugar de aprofundar as análises.

Milton também concorda que o racismo que acontece de forma subjetiva. “Pode-se dizer, como fazem os que se deliciam com jogos de palavras, que aqui não há racismo (à moda sul-africana ou americana) ou preconceito ou discriminação, mas não se pode esconder que há diferenças sociais e econômicas estruturais e seculares, para as quais não se buscam remédios. A naturalidade com que os responsáveis encaram tais situações é indecente, mas raramente é adjetivada dessa maneira. Trata-se, na realidade, de uma forma do apartheid à brasileira, contra a qual é urgente reagir se realmente desejamos integrar a sociedade brasileira de modo que, num futuro próximo, ser negro no Brasil seja, também, ser plenamente brasileiro no Brasil”, finaliza. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário