"Eu posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las" - Voltaire

quinta-feira, 5 de maio de 2011

"70% da minha família tem preconceito contra negros"

Pesquisa mostra que preconceito racial existe tanto nas etnias negras quanto nas brancas

Por George Guilherme Soares e Vitor Straliotto



M. é jovem. Tem 20 anos, dois irmãos, pertencente à classe média carioca e racista assumido. Ele se enquadra no perfil descrito pela pesquisa da professora e historiadora da USP, Lilia Moritz Schwarcz, Para 91% dos entrevistados, os brancos têm preconceito de cor em relação aos negros. No entanto, quando a pergunta é pessoal, só 3% (excluindo aqui os autodeclarados pretos) admitiram ter preconceito. Nesse quadro se encaixa M., que afirma:



"70% da minha família tem preconceito com negros. Nunca casaria com uma. Não consigo desenvolver a ideia de casar com alguém dessa raça", diz.







Uma pesquisa do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) em 2007 mostrou a diferença entre raças no Brasil pelo viés financeiro. De acordo com o Ipea, a pobreza no Brasil tem cor. Apesar de representarem quase 50% da população, os afrodescendentes estão condenados a receber os menores salários, estão em maior número no mercado informal e também nas estatísticas oficiais de desempregados. 
Um dos principais fatores para chegarmos nesse número advém do fato de uma menor absorção do negro pelo mercado de trabalho, seja pelo grau de instrução, seja por outros motivos, identificado na pesquisa como 18,5% do total de motivos para rejeição desse tipo de mão de obra.Esse número confirma que há em nosso dia-a-dia uma ratificação quase por debaixo dos panos do que acontece no âmbito econômico.

A pesquisa apontou o que, na prática, muito se vê em nosso cotidiano: existem pessoas que, assumidamente, realizam uma segregação racial pelo simples fato de rejeitarem um outro tipo de etnia. Assim, o que não mudou desde 2007 para cá foi a constatação, aparentemente contraditória, de que o brasileiro reconhece o preconceito no outro, mas não em si mesmo. Ou, como já definiu Schwarcz, ouvida pela reportagem, "todo brasileiro se sente como uma ilha de democracia racial, cercado de racistas por todos os lados".

Foi igualmente alto (63%) o percentual de entrevistados que afirmaram que negros têm preconceito em relação a brancos, mas somente 7% (excluindo os brancos) dizem ter, eles mesmos, algum preconceito.

Também caiu (de 22% para 16%) a proporção de brasileiros que se sentiram discriminados por sua cor. Esse percentual, no entanto, chega a 41% entre autodeclarados pretos.

Para Schwarcz, o que mudou de 1995 para 2008 foi a popularização do discurso politicamente correto. Ela, no entanto, demonstra algum ceticismo com relação ao menor percentual de concordância com afirmações preconceituosas.

"As coisas mudaram, mas nem tanto. As pessoas reagem mais às frases preconceituosas, como se já estivessem vacinadas. É positivo ver que há maior consciência, mas é preocupante constatar que a ambivalência se mantém. Parece que os brasileiros jogam cada vez mais o preconceito para o outro. 'Eles são, mas eu não'."

Manolo Florentino, historiador da UFRJ, tem uma opinião semelhante. "O que cresceu foi sobretudo o pudor. Para tanto deve ter colaborado, em alguma medida, a disseminação da praga politicamente correta. Se for este o caso, estaremos mais uma vez frente à constatação de que nosso racismo é envergonhado, que, afora casos patológicos, o brasileiro só expressa seu preconceito racial através de carta anônima."

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